Dahlke em seu livro As Crise da Vida Como Oportunidades de Desenvolvimento, reserva um capítulo para abordar a Velhice.
Neste capítulo ele aborda os arquétipos clássicos da velhice em suas formações solucionadas e não solucionas como veremos abaixo.
O arquétipo mais conhecido e apreciado é o do velho sábio e sua correspondente a velha sábia, que representa um papel bastante secundário no Ocidente e se desenvolve raramente. Mas entre nós também é um objetivo de vida para muitas pessoas. Além disso, os arquétipos sempre valem para ambos os sexos.
O VELHO SÁBIO é aquele ser humano que, depois de dominar suas tarefas na vida, recolhe-se conscientemente da polaridade e concentra suas forças na volta ao centro. Ele se desapega ao menos interiormente de todas as posses materiais e de tudo o que não é essencial e preocupa-se muito mais com a viagem para o interior. Seguindo as pegadas de Sócrates, ele pode reconhecer que com todo o seu conhecimento ele nada sabe e que a sabedoria nasce da simplicidade. Seu pensamento abandona a superfície e mergulha nas profundezas, em que o modelo do mundo é tecido de princípios primordiais e onde a unidade aparece por meio das estruturas da polaridade. Ele não conhece as coisas só intelectualmente, mas vive as experiências do seu verdadeiro ser interior. Pode contemplar tudo, sem ter que avaliar ou julgar, enquanto descansa em si, olha com conhecimento e boa vontade para o mundo. O velho sábio é um ser humano que se torna novamente uma criança num novo plano que entende a ilusão do tempo e vive na unidade.
Há uma dificuldade para se alcanças esse arquétipo. A próspera sociedade ocidental juntou enorme conhecimento, mas, conseqüentemente, deixou de abrir espaços para a experiência. Porém, quando a tentativa de tornar-se velho e sábio é perdida de vista, com muito mais freqüência surge a CARICATURA DO VELHO SÁBIO.
Trata-se do IDOSO INSENSATO, um idiota, o "professor distraído", que por certo acumulou conhecimentos e que, no entanto, não possui sabedoria, e perde devagar, mas com certeza, a visão geral e o contato; ou é o VELHO CRONICAMENTE INSATISFEITO, um ser humano que ficou pendurado em suas projeções e que vive em guerra com o mundo. Ele não descobre seus próprios jogos e, ignorante, apega-se a tudo o que é material.
Na variedade de jogos não salvos da vida sempre se deve ansiar também pelo outro lado, neste caso, o lado salvo. Assim, junto com os sintomas típicos e disseminados do idoso distraído carregado de conhecimento, aparece nitidamente à tarefa. Há bastante tempo míope, ele também já é há décadas um presbíope. Ele deve, portanto, ver o todo de perto e de longe, encontrar a totalidade em si mesmo e no exterior. O "sábio moderno" é sábio no sentido tradicional do velho vidente.
Outro aspecto do arquétipo redimido é o do VELHO TOLO, que descobriu a liberdade em si mesmo e não tem mais de provar nada. Não é raro que nesses momentos as suas risadas ecoem pelo mundo, pois, olhando para trás, mal consegue entender como tudo sempre foi simples e como ele se portou de modo tão ridiculamente tolo.
Na Idade Média existia o cargo de bobo da corte que, com a sua literal liberdade de bobo, podia fazer o que quisesse. Conquanto escolhesse uma maneira divertida, ele até mesmo podia dizer a verdade na cara dos reis. No caso ideal, os bobos da corte mantinham as verdades mais profundas diante dos olhos e ignoravam conseqüentemente as posições cotidianas e as vantagens em primeiro plano. Naturalmente, pessoas idosas especialmente inteligentes e despertas tinham condições de preencher essa posição com a necessária graça e a profundidade adequada.
Uma figura dessas também vale ouro na nossa época. Basta imaginarmos a política, independentemente dos partidos e suas mesquinhas brigas pelo dinheiro e seus visíveis interesses, obrigados ao grande e ao todo e, além disso, suficientemente engraçados e inteligentes para dizer o que é indizível e expressar o impensável nas piadas, rompendo tabus e rindo de si mesmos e do mundo. A política pode tornar-se interessante outra vez e ser divertida. Enquanto os VELHOS ABUTRES DO PODER, um arquétipo especialmente difundido entre nós, ainda lutam pela compreensão, ele já poderia fazer o relatório anual e divertir-se com o medo da tomada do poder por forças mais jovens.
Quando o desenvolvimento para tornar-se um perfeito tolo estagna, surge o VELHO ALUADO, ESQUISITÃO, que vive confuso em seu pequeno mundo e não pode mais ser entendido, porque ele se enredou e perdeu seu caminho. Em algum momento, ele considera o seu pequeno lote de terra o mundo propriamente dito, e se esquece da vida real.
Uma caricatura igualmente antipática do velho sábio é o VELHO DESORDEIRO E CRÍTICO, que sabe tudo melhor e que, na maioria das vezes, não consegue fazer nada. Se realmente já tivesse feito algo melhor alguma vez, não precisaria estar cronicamente insatisfeito. Em vez de estimular os outros com a sua provocação e idéias nada convencionais, ele se torna uma pessoa mal-afamada, que dá nos nervos, que aborrece a todos. Ele critica tudo e sobre tudo tem algo a dizer, embora, na verdade, nada tenha a dizer. Ele se leva amargamente a sério, e nisso ninguém pode acompanhá-Io. Todo o seu aspecto despertaria o riso assim que ele surgisse, caso isso não fosse tão triste. Ao contrário do BOBO DA CORTE que representa o TOLO, o CRÍTICO torna-se um TOLO no sentido mais amargo do termo.
O IMPASSÍVEL, que em tudo vê a função da lei e se reconcilia com as coisas aceitando-as como elas vêm. A sua maneira encontrou o centro. Um bom exemplo é dado por um mestre zen, que uma mulher de um povoado próximo acusa de ser o pai do seu filho, por medo da família. Quando a criança nasceu, a comunidade da aldeia entregou a criança ao mestre tremendo e xingando. Mas este apenas disse: "Ora, ora" e pegou a criança. Quando, três anos depois, a mulher confessou a verdade, os aldeões procuraram o mestre zen e se desculparam eloqüentemente, pedindo a criança de volta. Ele disse: "Ora, ora” e entregou-lhes a criança sadia e animada.
A BOA AVÓ, que despertou a criança dentro de si outra vez para a vida e com essa compreensão aceita todas as formas de vida com compaixão, a seu modo voltou ao centro da mandala. Uma avó é o melhor que pode acontecer às crianças que estão no início do caminho. A sua irmã sombria é a VELHA SOLTEIRONA, a menina tardia, que ainda espera pelo príncipe, uma espécie de Cinderela que se resignou.
O BOM PASTOR e professor de sabedoria, que transmite aos outros o conhecimento obtido e concretizado em si, por sua vez é muito mais raro do que o FANÁTICO RELIGIOSO diligente, de cujo alento ardoroso ninguém está certo e que, evitado por todos, só se torna um seguidor inoportuno. O maior dos erros é o fato de o FANÁTICO RELIGIOSO ainda abusar do nome de Deus nesse jogo egoísta.
A nossa cultura conhece os quatro arquétipos redimidos, predominantemente na forma masculina, como MESTRES, VELHOS SÁBIOS, TOLOS SÁBIOS E BONS PASTORES. Naturalmente, também podemos vesti-Ias com trajes femininos: A MESTRA, A MULHER SÁBIA, A VELHA EXTRAVAGANTE E A GRANDE MÃE. Entre os arquétipos redimidos existem muitas misturas e igualmente as variantes não redimidas. É claro que só existe um centro e, nele sempre está à libertação. Os quatro padrões certamente resultam dos matizes, que em dado momento surgem no caminho por meio dos elementos. Naturalmente, o TOLO SÁBIO também tem a oportunidade de ensinar. O BOM PASTOR pode trazer em si a clareza do SÁBIO e a compaixão da GRANDE MÃE que, por sua vez, pode ter encontrado também a liberdade do TOLO e a pureza do SÁBIO.
Dos padrões não redimidos existe um grande número que oferece variedades mais ou menos claras das variantes redimidas, mas a qualidade redimida sempre transparece ainda. O VELHO GRISALHO, que segue como um lobo solitário pela vida e que se alimenta da sua amargura, de certo modo é o pólo oposto do VELHO SÁBIO. Enquanto o último não pode mais levar a sério a si mesmo e a superficialidade do mundo, o lobo cinzento é amargamente sério quanto aos seus anseios. Como o orgulhoso e velho guerreiro, na maioria das vezes passa despercebido ou é vencido pela maioria dos jovens, o que torna a sua amargura e decepção ainda mais intensas. Em vez de exagerar divertidamente a realidade banal, ele está totalmente preso a ela e enredado nos seus problemas pessoais, como se lutasse como único lutador por alguma causa justa, ou seja, contra algum suposto inimigo ou seguindo pela vida como um velho salteador. Muitas vezes, ele perde o contato com a realidade dos outros e isola-se no seu mundo fictício. Na política, encontramos esse tipo entre as panteras grisalhas, que gritam mais alto do que os jovens lutando por posições e direitos dos idosos. A salvação na sua vida só está em concentrar todos em um.
O VELHO SOLTEIRÃO, que caminha pela vida inflexível e com suposta dignidade, é outra variante. Irreconciliável e rigoroso, consigo e com o mundo, ele não tem piedade e acha que está certo até o fim. O seu objetivo é caminhar lentamente mantendo a mais perfeita sinceridade pessoal.
Uma variante excitante e repleta de humor é a da velha raposa, cujo arquétipo impõe medo aos criminosos nos filmes de televisão, como o "velho" bandido. Ou, no plano mais livre, o do tolo grisalho, que impõe horror aos outros.
A velha bruxa ou a solteirona amarga, que se vê como vítima do mundo mau e que por sua vez ficou má, está visivelmente presa nas projeções. Assim como a Inquisição projetou todo o mal do seu mesquinho mundo clerical sobre as "bruxas", ela atribui todo o seu fracasso ao mundo. Envenenada pela própria amargura, ela borrifa veneno e está convencida de que os outros a mataram ou tencionam fazer isso. Sua inveja e sua luta visam à juventude vital, que ela persegue nos contos de fada e na vida.
O velho avarento se assemelha aos velhos urubus do poder em muitos aspectos, à medida que prende a sua alma ao poder material. Ele com razão têm medo do fim que se aproxima, pois isso também é o fim das suas ilusões, o que intuiu durante toda a sua horrível vida. Conseqüentemente, ele vive num inferno muito tempo antes da morte por confundir o ouro interior com o exterior.
O tipo antes-tudo-era-melhor obviamente ficou preso no passado e lamenta os tempos idos e as chances que perdeu. Com freqüência tem a sensação de ter desperdiçado a vida, porque os bons velhos tempos passados com suas fantásticas situações não voltam mais. Os tempos não serão mais tão bons a ponto de se abrir mais uma vez, e é provável que nunca tenha se aberto, pois o velho tempo bom por definição está sempre no passado. A busca pelo tempo dourado continua tão sem perspectiva como a busca do Eldorado, enquanto não for transferida para dentro.
A velha bisbilhoteira lava a roupa suja das outras pessoas em público. Tam bém é conhecida como a velha mexeriqueira. Falar sobre os outros, em vez de se desenvolver, é o seu modelo. Constantemente ela apresenta conselhos indesejados sobre como poderíamos fazer tudo melhor, sem nunca tomar ela mesma a iniciativa. Para não ter de ver a si mesma, ela olha permanentemente para os outros e, na maioria das vezes, os torna tão maus como ela mesma se sente (inconscientemente). A salvação para ela é entender o exterior ao qual está exposta como um espelho.
O velho andarilho conhece o mundo melhor do que conhece a si mesmo. Recusa-se a envelhecer, e transformou a mudança para aprender a ter medo numa viagem. Na união com gente jovem ele se deixa levar ao redor do mundo: como um hippie tardio, vai de lugar para lugar fugindo de si mesmo. Ele se orgulha por nenhum país e nenhuma mulher o terem retido, e não teme mais nada na vida tanto quanto teme um espelho, no qual tem de se reconhecer. Enquanto vai sobrevivendo, mais mal do que bem, torna-se cada vez "atrasado" para uma vida pessoal. Orgulhoso de sua liberdade, ele não percebe que os outros, que não vivem constantemente fugindo, gozam de mais liberdade que ele. Uma fase tardia de escalação desse modelo é o velho vagabundo que, transformado em gramínea que cresce nas costas marítimas da vida, foge desse conhecimento refugiando-se no álcool. Em sua fuga constante transformada num vício vale à pena descobrir outra vez a busca que visa chegar ao próprio centro.
O velho bode lascivo é o lamentável resíduo do jovem eterno, que não encontrou nenhuma saída ou desvio elegante da vida, mas também não quis largar o seu modelo. Ele continua tentando provar a sua virilidade com conquistas, o que fica cada vez mais difícil com o avanço da idade, e é também cada vez menos reconhecido pelo meio ambiente. Além do implante dos dentes e do cabelo, ele tende a cumprir rituais de ingestão de pílulas para potência.
A dama perfeitamente arrumada é o pendente que não ficou pronto com a idade e a vida. Ela entrega o seu corpo como campo de pesquisa para a medicina cosmética. Apesar do custo desse sacrifício, a playgirl que envelhece tem uma dificuldade ainda maior do que a do correspondente masculino. Em algum momento, no entanto, ninguém mais quer brincar com eles, e muito menos tornar-se joguete dos mesmos.
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