quarta-feira, julho 13, 2011

OS ARQUÉTIPOS DA VELHICE


Dahlke em seu livro As Crise da Vida Como Oportunidades de Desenvolvimento, reserva um capítulo para abordar a Velhice.

Neste capítulo ele aborda os arquétipos clássicos da velhice em suas formações solucionadas e não solucionas como veremos abaixo.

O arquétipo mais conhecido e apreciado é o do velho sábio e sua correspondente a velha sábia, que representa um papel bastante secundário no Ocidente e se desenvolve raramente. Mas entre nós também é um objetivo de vida para muitas pessoas. Além disso, os arquétipos sempre valem para ambos os sexos.

 O VELHO SÁBIO é aquele ser humano que, depois de dominar suas tarefas na vida, recolhe-se conscientemente da polaridade e concentra suas forças na volta ao centro. Ele se desapega ao menos interiormente de todas as posses materiais e de tudo o que não é essencial e preocupa-se muito mais com a viagem para o interior. Seguindo as pegadas de Sócrates, ele pode reconhecer que com todo o seu conhecimento ele nada sabe e que a sabedoria nasce da simplicidade. Seu pensamento abandona a superfície e mergulha nas profundezas, em que o modelo do mundo é tecido de princípios primordiais e onde a unidade aparece por meio das estruturas da polaridade. Ele não conhece as coisas só intelectualmente, mas vive as experiên­cias do seu verdadeiro ser interior. Pode contemplar tudo, sem ter que avaliar ou julgar, enquanto descansa em si, olha com conhecimento e boa vontade para o mundo. O velho sábio é um ser humano que se torna novamente uma criança num novo plano que entende a ilusão do tempo e vive na unidade.

Há uma dificuldade para se alcanças esse arquétipo. A próspera sociedade ocidental juntou enorme conheci­mento, mas, conseqüentemente, deixou de abrir espaços para a experiência. Porém, quando a tentativa de tornar-se velho e sábio é perdida de vista, com muito mais freqüência surge a CARICATURA DO VELHO SÁBIO.

Trata-se do IDOSO INSENSATO, um idiota, o "professor distraído", que por certo acumulou conhecimentos e que, no entanto, não possui sabedoria, e perde devagar, mas com certeza, a visão geral e o contato; ou é o VELHO CRONICAMENTE INSATISFEITO, um ser humano que ficou pendurado em suas projeções e que vive em guerra com o mundo. Ele não descobre seus próprios jo­gos e, ignorante, apega-se a tudo o que é material.

Na variedade de jogos não salvos da vida sempre se deve ansiar também pe­lo outro lado, neste caso, o lado salvo. Assim, junto com os sintomas típicos e dis­seminados do idoso distraído carregado de conhecimento, aparece nitidamente à tarefa. Há bastante tempo míope, ele também já é há décadas um presbíope. Ele deve, portanto, ver o todo de perto e de longe, encontrar a totalidade em si mes­mo e no exterior. O "sábio moderno" é sábio no sentido tradicional do velho vi­dente.

Outro aspecto do arquétipo redimido é o do VELHO TOLO, que descobriu a liberdade em si mesmo e não tem mais de provar nada. Não é raro que nesses momentos as suas risadas ecoem pelo mundo, pois, olhando para trás, mal consegue entender como tudo sempre foi simples e como ele se portou de modo tão ridiculamente tolo.

Na Idade Média existia o cargo de bobo da corte que, com a sua literal liber­dade de bobo, podia fazer o que quisesse. Conquanto escolhesse uma maneira di­vertida, ele até mesmo podia dizer a verdade na cara dos reis. No caso ideal, os bobos da corte mantinham as verdades mais profundas diante dos olhos e ignoravam conseqüentemente as posições cotidianas e as vantagens em pri­meiro plano. Naturalmente, pessoas idosas especialmente inteligentes e despertas tinham condições de preencher essa posição com a necessária graça e a profundidade adequada.

Uma figura dessas também vale ouro na nossa época. Basta imaginarmos a política, independentemente dos partidos e suas mesquinhas brigas pelo dinheiro e seus visíveis interesses, obrigados ao grande e ao todo e, além disso, suficiente­mente engraçados e inteligentes para dizer o que é indizível e expressar o impen­sável nas piadas, rompendo tabus e rindo de si mesmos e do mundo. A política pode tornar-se interessante outra vez e ser divertida. Enquanto os VELHOS ABUTRES DO PODER, um arquétipo especialmente difundido entre nós, ainda lutam pela compreensão, ele já poderia fazer o relatório anual e divertir-se com o medo da tomada do poder por forças mais jovens.

Quando o desenvolvimento para tornar-se um perfeito tolo estagna, surge o VELHO ALUADO, ESQUISITÃO, que vive confuso em seu pequeno mundo e não pode mais ser entendido, porque ele se enredou e perdeu seu caminho. Em algum mo­mento, ele considera o seu pequeno lote de terra o mundo propriamente dito, e se esquece da vida real.

Uma caricatura igualmente antipática do velho sábio é o VELHO DESORDEIRO E CRÍTICO, que sabe tudo melhor e que, na maioria das vezes, não consegue fazer nada. Se realmente já tivesse feito algo melhor alguma vez, não precisaria estar cronicamente insatisfeito. Em vez de estimular os outros com a sua provocação e idéias nada convencionais, ele se torna uma pessoa mal-afamada, que dá nos nervos, que aborrece a todos. Ele critica tudo e sobre tudo tem algo a dizer, embora, na verdade, nada tenha a dizer. Ele se leva amargamente a sério, e nisso ninguém pode acompanhá-Io. Todo o seu aspecto despertaria o riso assim que ele surgisse, caso isso não fosse tão triste. Ao contrário do BOBO DA CORTE que representa o TOLO, o CRÍTICO torna-se um TOLO no sentido mais amargo do termo.

O IMPASSÍVEL, que em tudo vê a função da lei e se reconcilia com as coisas aceitando-as como elas vêm. A sua maneira encontrou o centro. Um bom exemplo é dado por um mestre zen, que uma mulher de um povoado próximo acusa de ser o pai do seu filho, por medo da família. Quando a criança nasceu, a comuni­dade da aldeia entregou a criança ao mestre tremendo e xingando. Mas este ape­nas disse: "Ora, ora" e pegou a criança. Quando, três anos depois, a mulher con­fessou a verdade, os aldeões procuraram o mestre zen e se desculparam eloqüentemente, pedindo a criança de volta. Ele disse: "Ora, ora” e entregou-lhes a criança sadia e animada.
A BOA AVÓ, que despertou a criança dentro de si outra vez para a vida e com essa compreensão aceita todas as formas de vida com compaixão, a seu modo voltou ao centro da mandala. Uma avó é o melhor que pode acontecer às crianças que estão no início do caminho. A sua irmã sombria é a VELHA SOLTEIRONA, a menina tar­dia, que ainda espera pelo príncipe, uma espécie de Cinderela que se resignou.

O BOM PASTOR e professor de sabedoria, que transmite aos outros o conhecimento obtido e concretizado em si, por sua vez é muito mais raro do que o FANÁTICO RELIGIOSO diligente, de cujo alento ardoroso ninguém está certo e que, evi­tado por todos, só se torna um seguidor inoportuno. O maior dos erros é o fato de o FANÁTICO RELIGIOSO ainda abusar do nome de Deus nesse jogo egoísta.

A nossa cultura conhece os quatro arquétipos redimidos, predominante­mente na forma masculina, como MESTRES, VELHOS SÁBIOS, TOLOS SÁBIOS E BONS PAS­TORES. Naturalmente, também podemos vesti-Ias com trajes femininos: A MES­TRA, A MULHER SÁBIA, A VELHA EXTRAVAGANTE E A GRANDE MÃE. Entre os arquétipos redimidos existem muitas misturas e igualmente as variantes não redimidas. É claro que só existe um centro e, nele sempre está à libertação. Os quatro padrões certamente resultam dos matizes, que em dado momento surgem no caminho por meio dos elementos. Naturalmente, o TOLO SÁBIO também tem a oportuni­dade de ensinar. O BOM PASTOR pode trazer em si a clareza do SÁBIO e a compai­xão da GRANDE MÃE que, por sua vez, pode ter encontrado também a liberdade do TOLO e a pureza do SÁBIO.
Dos padrões não redimidos existe um grande número que oferece varieda­des mais ou menos claras das variantes redimidas, mas a qualidade redimida sem­pre transparece ainda. O VELHO GRISALHO, que segue como um lobo solitário pela vida e que se alimenta da sua amargura, de certo modo é o pólo oposto do VELHO SÁBIO. Enquanto o último não pode mais levar a sério a si mesmo e a superficiali­dade do mundo, o lobo cinzento é amargamente sério quanto aos seus anseios. Como o orgulhoso e velho guerreiro, na maioria das vezes passa despercebido ou é vencido pela maioria dos jovens, o que torna a sua amargura e decep­ção ainda mais intensas. Em vez de exagerar divertidamente a realidade banal, ele está totalmente preso a ela e enredado nos seus problemas pessoais, como se lutas­se como único lutador por alguma causa justa, ou seja, contra algum suposto ini­migo ou seguindo pela vida como um velho salteador. Muitas vezes, ele perde o contato com a realidade dos outros e isola-se no seu mundo fictício. Na política, encontramos esse tipo entre as panteras grisalhas, que gritam mais alto do que os jovens lutando por posições e direitos dos idosos. A salvação na sua vida só está em concentrar todos em um.

O VELHO SOLTEIRÃO, que caminha pela vida inflexível e com suposta dignida­de, é outra variante. Irreconciliável e rigoroso, consigo e com o mun­do, ele não tem piedade e acha que está certo até o fim. O seu objetivo é caminhar lentamente mantendo a mais perfeita sinceridade pessoal.

Uma variante excitante e repleta de humor é a da velha raposa, cujo arqué­tipo impõe medo aos criminosos nos filmes de televisão, como o "velho" bandi­do. Ou, no plano mais livre, o do tolo grisalho, que impõe horror aos outros.

A velha bruxa ou a solteirona amarga, que se vê como vítima do mundo mau e que por sua vez ficou má, está visivelmente presa nas projeções. Assim como a In­quisição projetou todo o mal do seu mesquinho mundo clerical sobre as "bruxas", ela atribui todo o seu fracasso ao mundo. Envenenada pela própria amargura, ela borrifa veneno e está convencida de que os outros a mataram ou tencionam fazer is­so. Sua inveja e sua luta visam à juventude vital, que ela persegue nos contos de fa­da e na vida.

O velho avarento se assemelha aos velhos urubus do poder em muitos as­pectos, à medida que prende a sua alma ao poder material. Ele com razão têm me­do do fim que se aproxima, pois isso também é o fim das suas ilusões, o que in­tuiu durante toda a sua horrível vida. Conseqüentemente, ele vive num inferno muito tempo antes da morte por confundir o ouro interior com o exterior.

O tipo antes-tudo-era-melhor obviamente ficou preso no passado e lamen­ta os tempos idos e as chances que perdeu. Com freqüência tem a sensação de ter desperdiçado a vida, porque os bons velhos tempos passados com suas fantásticas situações não voltam mais. Os tempos não serão mais tão bons a ponto de se abrir mais uma vez, e é provável que nunca tenha se aberto, pois o velho tempo bom por definição está sempre no passado. A busca pelo tempo dourado continua tão sem perspectiva como a busca do Eldorado, en­quanto não for transferida para dentro.

A velha bisbilhoteira lava a roupa suja das outras pessoas em público. Tam­bém é conhecida como a velha mexeriqueira. Falar sobre os outros, em vez de se de­senvolver, é o seu modelo. Constantemente ela apresenta conselhos indesejados so­bre como poderíamos fazer tudo melhor, sem nunca tomar ela mesma a iniciativa. Para não ter de ver a si mesma, ela olha permanentemente para os outros e, na maio­ria das vezes, os torna tão maus como ela mesma se sente (inconscientemente). A salvação para ela é entender o exterior ao qual está exposta como um espelho.

O velho andarilho conhece o mundo melhor do que conhece a si mesmo. Recusa-se a envelhecer, e transformou a mudança para aprender a ter medo numa viagem. Na união com gente jovem ele se deixa levar ao redor do mundo: como um hippie tardio, vai de lugar para lugar fugindo de si mesmo. Ele se orgulha por nenhum país e nenhuma mulher o terem retido, e não teme mais nada na vida tanto quanto teme um espelho, no qual tem de se reconhecer. Enquanto vai so­brevivendo, mais mal do que bem, torna-se cada vez "atrasado" para uma vida pes­soal. Orgulhoso de sua liberdade, ele não percebe que os outros, que não vivem constantemente fugindo, gozam de mais liberdade que ele. Uma fase tardia de es­calação desse modelo é o velho vagabundo que, transformado em gramínea que cresce nas costas marítimas da vida, foge desse conhecimento refugiando-se no ál­cool. Em sua fuga constante transformada num vício vale à pena descobrir outra vez a busca que visa chegar ao próprio centro.

O velho bode lascivo é o lamentável resíduo do jovem eterno, que não en­controu nenhuma saída ou desvio elegante da vida, mas também não quis largar o seu modelo. Ele continua tentando provar a sua virilidade com conquistas, o que fica cada vez mais difícil com o avanço da idade, e é também cada vez menos re­conhecido pelo meio ambiente. Além do implante dos dentes e do cabelo, ele ten­de a cumprir rituais de ingestão de pílulas para potência.

 A dama perfeitamente arrumada é o pendente que não ficou pronto com a idade e a vida. Ela entrega o seu corpo como campo de pesquisa para a medicina cosmética. Apesar do custo desse sacrifício, a playgirl que envelhece tem uma dificuldade ainda maior do que a do correspondente masculino. Em algum momento, no entanto, ninguém mais quer brincar com eles, e muito menos tornar-se joguete dos mesmos. 

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